[Resenha] O Contrato Social

O CONTRATO SOCIAL

Jean-Jacques Rousseau | L&PM Editores | 160 páginas | 2019
Recebido em parceria com a Editora

“A ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. No entanto, esse direito não vem da natureza, ele está fundado sobre convenções. Trata-se, pois, de saber quais são essas convenções.”

Desta vez me aventuro pela célebre obra do grande filósofo Rousseau. Longe de compreender tudo que, neste livro, ele buscou explicar, venho apenas tentar estimular que mais pessoas se permitam ter contato com as obras clássicas e, assim, possam ampliar a capacidade de entender a sociedade, nossa forma de se organizar, os diferentes modos de convivência e tantas outras coisas que afetam nossa vida no dia a dia.

O autor inicia explicando dois tipos de liberdades.: a natural e a civil. Na primeira encontra-se aquela que diz respeito e ampara apenas o indivíduo, a satisfação das suas necessidades e vontades, desconsiderando qualquer prejuízo ou sofrimento de outros. Esta liberdade estaria sujeita a força e habilidade que cada um, individualmente, teria em si para realizar o que deseja. Na segunda liberdade, a civil, convenciona-se um ordenamento, baseado na vontade coletiva com regras de ação e convivência e a observação da vontade de outros.

“A passagem do estado de natureza ao estado civil produz no homem uma mudança muito significativa, substituindo, em sua conduta, o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É somente então que, a voz do dever sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite, o homem, que até então só havia considerado a si mesmo, vê-se forçado a agir segundo outros princípios e a consultar a razão antes de escutar suas inclinações. Embora nesse estado ele se prive de várias vantagens oriundas da natureza, obtém outras igualmente grandes: suas faculdades se exercitam e se desenvolvem, suas ideias se ampliam, seus sentimentos se enobrecem, sua alma inteira se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem muitas vezes abaixo daquela da qual saiu, ele deveria bendizer sem parar o instante feliz que o arrancou dali para sempre e que fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.”

Rousseau fala, também, que esse pacto social deveria igualar as pessoas que dele participam, esgotando as diferenças que, eventualmente, a natureza havia estabelecido no indivíduo. Mas que isso também pode ser distorcidos pelos homens.

“Sob os maus governos, essa igualdade é apenas aparente e ilusória; não serve senão para manter o pobre em sua miséria e o rico em sua usurpação. Na prática, as leis são sempre úteis aos que possuem e prejudiciais aos que nada têm. Donde se segue que o estado social só é vantajoso aos homens à medida que todos tenham alguma coisa e ninguém possua em excesso.”

Também se ressalta a vital importância da separação dos poderes, principalmente no que se refere aos que desenvolvem as leis. E que se deve impedir que ideias e interesses privados as corrompam.

Assim, Rousseau vai discorrendo sobre a formação de alguns tipos de governos, suas características e para quem são adequados. Aponta as necessidades e elementos para a formação e o que pode levá-los ao declínio.

“Não que não haja muitos governos estabelecidos durante essas tempestades; porém, são esses mesmos governos que destroem o Estado. Os usurpadores provocam ou escolhem sempre esses tempos confusos para fazer passar, favorecidos pelo terror público, leis destrutivas que o povo jamais adotaria com serenidade. A escolha do momento da instituição é um dos sinais mais seguros pelos quais se pode distinguir a obra do legislador da do tirano.”



Para Rousseau, a exacerbada desigualdade social é fator decisivo na degradação do estado, pois quem tem muito, para saciar sua tirania, exerce, pelo poder econômico, a compra de outros, que, pela excessiva pobreza, se veem obrigados a vender sua liberdade para saciar uma parca necessidade. 

“Querem dar ao Estado consistência? Aproximem os graus extremos tanto quanto possível: não aceitem nem pessoas opulentas nem miseráveis. Esses dois estados, naturalmente inseparáveis, são igualmente funestos ao bem comum: de um saem os promotores da tirania; do outro, os tiranos. É sempre entre eles que se faz o tráfico da liberdade pública: um a compra, o outro a vende.”

Sinto que Rousseau considera de extrema relevância, para a composição de um Estado saudável, o caráter da consciência de corpo, onde o cidadão deve enxergar-se como parte de um todo que, através do pacto social, lhe pertence. Quando associado, ele entrega sua força, mas também recebe a força dos outros, e, se dotado dessa consciência unitária e moralmente amadurecido, as decisões desse corpo sempre serão benéficas à todos.

Sempre poderá haver desvios pela contaminação da vontade privada, e esses devem ser corrigidos pelo legislador, que tem a obrigação de observar a vontade geral.

Há muito mais para se compreender nos textos de Rousseau, demandando releituras e aprimoramento de conceitos filosóficos e políticos, mas pude reconhecer algumas máculas presentes em nossa sociedade, através dessa obra.

Longe de debater qualquer tipo de ideologia, creio que exista uma noção universal sobre bem estar, que não coaduna com uma série de fatos que presenciamos no Brasil e em tantos outros lugares do mundo: a fome, o abandono, a opressão de todos os gêneros, a brutalidade, a insensibilidade evidenciada na falta de empatia... Quem nunca testemunhou algo assim?

Resta-nos buscar o conhecimento, através dos mais variados pontos de vista e, com serenidade, temperança e mansidão , estabelecer um diálogo sensato para a construção de um estado que, verdadeiramente, defenda as necessidades da coletividade.




 

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