[Resenha] O que Aprendi com Hamlet

O QUE APRENDI COM HAMLET

Leandro Karnal | Leya | 208 páginas | 2018
Recebido em parceria com a Editora


“A leitura bem-feita de uma obra densa é um exercício psicanalítico. Ler é uma viagem ao redor de si mesmo, tangenciando e questionando convicções, com perspectiva e afastamento. Conheço-me conhecendo o príncipe. Meus espaços são violentados e forçados para novas fronteiras.”


Não há evolução, em qualquer que seja o campo, sem questionamentos e instrução. A filosofia tem o caráter indagativo, de proporcionar o debate das ideias, mas sem a soberba de uma solução única e individualista para o conflito.

Leandro Karnal, nesta obra, vem apontar as inúmeras possibilidades de debates, sobre questões cotidianas, inseridas na obra de William Shakespeare. E, apesar de todos os séculos que nos distanciam da cultura da época deste célebre escritor, encontramos diversas situações que precisam ser trazidas à tona e francamente conversadas.

Numa clara análise entre a sociedade de agora e as posições e ações tomadas pelos personagens da tragédia de Hamlet, o autor nos põe diante de um espelho que nos mostra a nossa incoerência e hipocrisia diante dos outros. Hamlet é um jovem muito consciente dos mecanismos sociais e do comportamento humano, da ganância e da falsidade em busca de vantagens e de tantos outros artifícios que nos mantém protegidos numa casca artificial que nos distancia uns dos outros.

Mesmo sendo dotado de singular percepção, apontando atitudes notadamente reprováveis, de personalidades ordinárias, Hamlet usa da mesma dissimulação, de expediente violento e vil, para estabelecer uma vingança que julga justificável.

“O castigo excessivo nunca trouxe remorso ao protagonista. Mais uma contradição. No monólogo ele lembra que o suicídio é interditado por Deus. Ele sabe que o homicídio também. Hamlet evita se matar, mas não hesita em matar três pessoas em ataques de ódio. As ordens divinas foram ouvidas seletivamente.”

O desenvolvimento da capacidade de ler o caráter das pessoas é só o primeiro passo para entender o intrincado sistema da convivência. Encontrar um ponto de equilíbrio, a harmonia entre nossas aspirações e desejos diante dos propósitos alheios, devem ser o que há de mais difícil nas relações.

Como também é destacado no livro existe um perigo muito evidente nas relações rasas, com pessoas que apenas nos dizem aquilo que queremos ouvir. Então, como superar o ímpeto da violncia tão comum na discordância?

“O olhar do amigo não tem a doçura do materno e escapa do tom acre e ressentido do inimigo. Assim, longe do mel estrutural e do fel defensivo, é um olhar de sinceridade.”




Karnal faz um fabuloso passeio por uma peça teatral aclamada por séculos, capaz de questionar os mais íntimos impulsos humanos, de desejos reprimidos às falsas amizades, que encontra correlatos na vida de todos nós, para nos fazer refletir sobre posturas, sobre amor, devoção e sinceridade. Sobre o preço de uma vingança ou de um posicionamento tão rígido que nos faça perder a beleza da vida.

“A mais espaçosa dama da alma é a vaidade. Quando ela preenche o ambiente, sobram poucos assentos livres. Pessoas vaidosas são frágeis e temem a entrega da amizade. O amor é privilégio de maduros, dizia Carlos Drummond de Andrade. Creio que a amizade também o seja. Talvez não seja apenas para maduros, mas, com certeza, é um privilégio.”

Longe de intentar estabelecer uma regra para qualquer relacionamento, creio que o que o autor buscou deixar claro foi a capacidade do texto de Shakespeare de nos desnudar e nos expor para nós mesmos.

“Aqui temos uma chave para o livro e para o que aprendi com ele: o Estado e o governo que o timoneia são fruto da sociedade que é governada.”

Ao final, Walderez Carneiro faz uma suscinta, mas equilibrada, análise da obra Hamlet. Sugere para os mais variados públicos, em termos de entendimento da obra e domínio da língua inglesa, as traduções e edições mais adequadas.

Como sempre, por sua ponderação, equilíbrio e sensatez recomendo, com certeza, essa obra. Karnal consegue, mais uma vez, falar de forma clara, respeitosa e não dogmática sobre temas difíceis, e com todo o brilho da palavras de Shakespeare.




 

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