[Resenha] Frankenstein ou o Prometeu Moderno

FRANKENSTEIN OU O PROMETEU MODERNO

Mary Shelley
DarkSide Books | 2017 | 304 páginas


Mary Shelley nos traz uma história sobre uma nova forma de se criar vida: a animação de tecidos mortos, reorganizados por um obstinado, senão obsessivo, cientista, o Sr. Victor Frankenstein. 

Existem dois narradores, de maneira distinta, para relatar como tudo aconteceu. De início o capitão Robert Walton, através de cartas endereçadas a sua irmã, descreve como resgatou Victor em águas congeladas. A tripulação de seu navio, naquele momento encalhado no gelo, avista uma criatura se deslocando num trenó e ficam intrigados. Logo em seguida o capitão é chamado para ajudar a resgatar Victor, que reticente resiste a subir ao navio, mesmo estando num estado de saúde precário. 

Victor é colocado no convés e, assustado, passa a descrever seu infortúnio ao capitão. Walton, um tanto descrente daquelas afirmações a principio, passa a crer naquele mórbido relato ao sentir a sinceridade e o desespero em que se encontra Frankenstein. 

Desde a infância Victor é fascinado por alquimia e o estudo da vida, o que o leva a ler os grandes nomes dessas ciências. Ele é mandado para a Alemanha, onde passa a estudar na Universidade de Ingolstadt. 

Na sua residência, adaptada a laboratório, passa a realizar experimentos sobre a reanimação de corpos. Victor abandona a universidade e o convívio social para, obsessivamente, se dedicar àquilo, que em sua cegueira, o consagraria ao ápice da ciência, à glória entre os homens. 

Ele monta um homem, de avantajada estatura, juntando partes de vários corpos humanos e de outros animais, num cansativo trabalho de reconstituição de uma forma ideal, em sua concepção. Em seguida lhe aplica algo que descobriu, mas não revela, e que de fato gera a vida no corpo antes inanimado. 


Segue-se a esse fato uma repulsa incontrolável do criador à criatura. Aquele ser, antes fonte de sua obsessão, agora lhe enoja e choca. 

“Suas palavras causaram um efeito estranho sobre mim. Tive piedade dele e, por vezes, desejei consolá-lo, mas quando olhava para minha criatura, quando via a massa infecta que se movia e falava, meu coração sentia náuseas e os sentimentos se transformavam em horror e aversão.” 

Victor abandona a casa transformada num útero de monstro, deixando a criatura entregue à própria sorte. Ele tenta retomar a vida comum, mas toda a convivência, todos os diálogos e elogios que recebe o constrangem, já que em sua memória sempre está a figura grotesca de sua criação. 

Quando encontra coragem de retornar ao local onde deu vida àquele emaranhado de carne e ossos constata que o monstro desapareceu. A partir daí é que seu pesadelo e arrependimento se intensificam, pois, sobre aqueles que ama é que recai toda a desgraça daquilo que foi capaz de criar. 



A história de Frankenstein não se resume apenas ao terror do sobre-humano, do que foge ao nosso controle no campo da ciência. Fala também do que nos falta evoluir no campo dos sentimentos, dos preconceitos e da discriminação pura e simplesmente atrelada à aparência. 

“No passado, julgava os relatos de vícios e injustiças que lia nos livros ou ouvia de outros como histórias de dias antigos ou males imaginários; ao menos eram remotos e mais familiares à razão do que à imaginação. Agora, porém, a infelicidade chegou e os homens se mostram a mim como monstros sedentos pelo sangue de seus semelhantes.” 

O “monstro” quer ser amado, tocado. Mas como alcançar isso se nem o seu criador o tolera? 

E como resultado nasce o sentimento de vingança, que só alimenta mais dor e injustiça. 

É surpreendente a visão que Mary Shalley tem daquela sociedade e sua tristeza por sentir quanto ainda estavam atrasados em seu comportamento. Pior ainda é termos a certeza que continuamos tendo atitudes criticadas pela autora no início dos anos de 1800. 

Esse é um romance perturbador e surpreendente, mas, acima de tudo, contestador. Seu caráter reflexivo vai muito além do terror, por isso é leitura indispensável.



4 comentários

  1. Um dos últimos filmes que assisti antes de cancelar a Netflix (cancelei pois estava me dedicando demasiadamente aos filmes e séries como distração e isso me fazia deixar outras atividades interessantes de lado), foi justamente o que narra a história de Mary Shalley - Que vida sofrida ela teve, orfã de mãe, convivência difícil com a madrasta e um relacionamento fora dos padrões da época teve muitas turbulências. Incrível como hoje a principal obra dela é muitas vezes adaptada como algo para crianças! Fiquei com vontade de ler uma tradução em texto integral desde que assisti ao filme e mais ainda agora, depois da tua resenha.


    Beijos

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  2. Em pensar que a obra é tão antiga e, mesmo não tendo lido ou visto qualquer adaptação, muita gente já me falou sobre coisas que percebi em sua ótima resenha, coisas ainda vividas e sentidas. Agora fiquei curioso, vou ter que ler!

    Abraço

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  3. 10. Acredita que nunca li esse livro? Conheço a história de Frankenstein, claro, das inúmeras adaptações já feitas, mas o livro mesmo, nunca li. Por isso estou querendo comprar e estou muito em dúvida entre essa edição da Darkside (que pelas fotos vi que está incrível) e a da Zahar.

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  4. Eu li Frankenstein ano passado, mas quero reler porque fiz uma leitura um pouco dispersa.

    https://literaturaemespiral.blogspot.com

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